20.9.11

From Bénédicte With Love

a puta que me pariu era a mais linda da rua formosa
eu saí a ela deve ser por isso que mal sorrio os homens perguntam
quanto é
e eu não é nada a puta que me pariu pôs-me a estudar e eu agora
só sorrio e é tudo de graça
e a seguir mostro-lhes o rabo e a seguir as pernas e ponho-me a andar
deixo-os de corpo a abarrotar
de tralha

Bénédicte Houart

6.9.11

eu nunca soube chorar, por isso espero a chuva

– eu fumo

– eu escrevo poemas que se podem fumar

não és o que eu procuro

sou o alto mar

e vejo o tempo começar na sombra de uma janela que se abre na fotografia em que estás tu o Borges o Cortázar  Rua Florida Richmond ao fundo e em que te estou a dizer sou o alto mar e

posso não ser o que tu procuras

eu nunca soube chorar, por isso espero a chuva

a chuva não é deste planeta, não me deves esperar

que não regresso ao quarto feito de regressos a que regresso sempre, sexto andar,  livros com poemas a fazer de cabeceira, poemas no chão a fazer de chão e a anunciar a chuva que  sempre se demora por vir de longe, e nós bem longe também da Rua Florida onde nunca chovia e se chovia não era chuva e se era chuva não nos podia tocar

tu existes ainda que eu precise de te inventar

tu já me inventaste agora não existo

e não durmo embora continue a comer e não durmo e sobretudo bebo até as noites mais inteiras e vejo-te mesmo quando não te vejo e bebo para que me fales ao ouvido coisas que eu não consigo perceber e não foste a única porque houve outras mas foste a única que ainda te vejo até em certas palavras que são partes do teu corpo que eu não consigo tirar de mim

estou aqui

e estás aqui mas já não sei pronunciar o teu nome
só a primeira inicial que se repete uns passos mais à frente como se a terra fosse toda mar e o mar fosse todo eu

e sinto frio e espero que o frio se esqueça de mim e abro de novo a janela da fotografia que não me reconhece e toco a chuva que veio de longe e não é deste planeta com a ponta dos dedos desço por ela e abro totalmente esta janela que não me reconhece e a chuva traz-me à cama onde ainda dormes entre os meus papéis confusos e não, isto não são lágrimas embora o sal e

nos teus olhos vejo coisas que só existem nos teus olhos

demoraste ou quiseste fazer-me esperar

eu não sou quem se deva esperar

– provavelmente vou esperar-te até depois da morte

– a morte é só um outro tempo, um outro modo de dizer as coisas

e eu não sou quem se deva esperar, que me acabo antes à porta de um prostíbulo, Paris ou Buenos Aires, como um poeta deve acabar

– nunca te disse mas acho que não te posso deixar, detesto demasiado a tua poesia

– tu detesta toda a poesia

– na verdade não detesto toda a poesia, só tenho medo

– na verdade eu não faço bem poesia, só quando te escrevo ou te ponho nua

já não fumo, escreve-me poemas que me possam matar