23.11.10

From Poets Corner - Xavier

passo pelas coisas como quem veio para ficar, mas sem as sentir. nos espelhos procuro o meu reflexo, e não me reconheço. já não estranho a tua ausência, só o não te poder mentir. sou um dos favoritos dos deuses, mas já não te espero. do que adianta saber o que é o amor, sem as tuas cartas ou aquelas flores - que eu detestava. sinto o bater do meu coração quebrar o silêncio, mas não como quando estavas aqui. da nossa vida juntos pouco restou, só estas lágrimas...tão falsas como toda a poesia.

15.11.10

não faz mal sentir, sabes?

não faz sentido a memória, só a urgência, a compulsão, a vontade de provar a morte

— Porquê?

e há coisas que não têm explicação mas sempre te posso dizer que ela estava ali e eu também

— És um filho da puta

e eu escrevo contra o filho da puta que sou

— És um filho da puta

e não precisas de mo repetir que eu escrevo contra o filho da puta que se és isto escrever escrevo contra o filho da puta que sou e na verdade nunca pensei que soasse assim na tua boca filho da puta a soar filho da puta ou fora da minha vida ou és uma doença acabou a canção (acabou a canção?)

e isto não pode ser o final da canção isto que é para mim uma espécie de final feliz

— És um filho da puta e eu quero-te fora da minha vida

e isto não pode ser o final da canção isto que é para mim uma espécie de final feliz

acabou a canção

assim, sem lágrimas, sem sentenças de morte, sem devolve-me os anos que perdi em ti nem cinema, um qualquer gesto que dê ao drama a carga de drama, lágrimas a reinventar memórias,

nem devolve-me os anos que perdi em ti

só esta espécie de final feliz, porta fora, a ponta de um corno é o que me importa a tua felicidade, o teu destino ou lá como lhe chamam a querer significar sei lá o quê

e nem súplicas lágrimas delírios e nem súplicas juras lágrimas unhas na carne e nos colarinhos e nem tu crucificada na porta a impedir-me de sair juras e nem

— Quem é ela?

nada, e nada que se assemelhe a uma alma e talvez um coração no lugar de com que pudesses sentir esse filho da puta que lanças porta fora (boca?) como um encantamento e nem

— Quem é ela?

nada que pudesse indicar que podes sentir, consegues sentir, sabes sentir

tu quase humana, a poder sentir, conseguir sentir, saber sentir a compulsão que não faz sentido a memória, só a urgência, a compulsão, a vontade de ser a morte

e ainda que não perguntes

— Quem é ela?

eu respondo-te que não existiu, só a vontade de ser morte, e nem a compulsão só a vontade de ser a morte, a Eternidade com maiúscula, e ainda que não perguntes eu respondo-te que não existiu como não exististe tu, e nenhuma indignação da tua parte nenhum

— Vai-te foder

por te saberes inexistente, todas inexistentes

e nem

— Vais escrever sobre nós?

a que eu pudesse responder e como se escreve sobre o que não existiu se é escrever isto que eu faço para além de partir pedra em busca de

— Vais escrever sobre nós?

para além partir pedra em busca de que a pedra acabe e desfazer as dúvidas todas, as que existem e as que existirão depois das que existem, dúvidas, pedras, pó, não das pedras, não percebo como apareceu aqui este pó, acudir à morte, manter-me à tona, no limiar acudir à morte dizendo a vida tal como ela é, vida, só, acudir à vida através do espelho da morte que ela é e nem

— Ontem quando me fodeste disseste que me amavas

e disse mesmo e se disse é porque é verdade, não te sei mentir, nunca soube, antecipadamente culpado, e se calhar escrever-te quando queria mentir tinha dado melhor resultado, escrever-te e escrever-me até fazer pó dos dedos, não das pedras, pó das palavras, pó das letras, o sangue em pó, o pó em pó, morar num barco, e percebo agora como apareceu em cima o pó, sim morar num barco, o pó em pó, distante o barco em pó também e tu nem crucificada à frente da porta

— e se eu fizer uma transfusão de sangue será que deixas de correr nas minhas veias?

e se tu quisesses teria vivido só para ti, cerejeiras de Neruda no coração pássaros a nascer do eco, barcos onde se mora e nem pó navega, Janeiro numa só hora a vida toda, e nenhuma memória, nenhuma urgência, nenhuma compulsão, nenhuma vontade de ser

que se quisesses teria vivido só para ti, se quisesses mesmo com muita força, como só se quer um filho num vão de escada, numa taberna, na beira de nenhuma estrada que leva a Mia, e teria sido quase feliz, poderia dizer a palavra

e tu nem crucificada à frente da porta

— Pedi tanto a Deus

sem saber que a esse nada se pede, esquece-se Dele e quando Dele precisamos exige-se e tu sem saber

todos os dias escreverei para ti

não faz mal sentir, sabes?

8.11.10

From Poets Corner - Mario Benedetti

Tenho medo de te ver
Necessidade de te ver
Esperança de te ver
Inquietação de te ver

Tenho ganas de te encontrar
Preocupação de te encontrar
Certeza de te encontrar
Pobres dúvidas de te encontrar

Tenho urgência de te ouvir
Alegria de te ouvir
Boa sorte de te ouvir
E temores de te ouvir

Ou seja
Resumindo
Estou fodido
E radiante
Talvez mais o primeiro
Que o segundo
E também
Vice versa

5.11.10

E isto que nós somos é o quê?

E isto que nós somos é o quê?

Assombro. Tudo se predispõe para que na vida tudo aconteça à hora certa. E ignoro ainda qualquer coisa que se assemelhe ao alinhamento perfeito dos planetas

Marte Júpiter Saturno,

Terra Marte Júpiter Saturno, assim é que é,

e os anéis de Saturno, mais as luas de Júpiter, tudo ignoro…Mas sei que tudo se predispõe para que na vida tudo aconteça à hora certa. O que acontece fora desta espiral não é vida, é outra coisa, maior ou menor, mas é outra coisa, e sendo outra coisa é indiferente que aconteça, pode acontecer ou pode não acontecer, o resultado é sempre o mesmo: só é vida o que acontece no momento pré-determinado, o arbítrio só vale para o que é não-vida, não-essência, está à margem…

Mas…E isto que nós somos é o quê?

Eu entre o meu medo e o teu medo de que, o nosso medo? não, eu entre o meu medo e o teu medo de que sejas para mim e de que a felicidade não respire bem noutros braços… tu entre o teu medo e o meu medo de que sejas para mim e de que a felicidade respire noutros braços…

E por detrás do medo mais medo, e por detrás do medo nada… ou nada que se pareça ao medo, e por detrás de tudo sempre o teu sorriso, não esse que dás aos outros, aquele que inventaste para mim, não sabes, mas foi inventado para mim, como as tuas mãos pequenininhas, inventadas para me tocar…sim, as minhas mãos serão sempre para ti, que não sabes a metal e conheces o cheiro do meu sangue antigo, a localização de cada ferida que respira por debaixo do céu da pele…

Mercúrio Vénus Terra Marte Júpiter Saturno Úrano Neptuno (já vivi em Neptuno),

Plutão caiu,

e não sei se à hora certa, e qual é a hora certa? esta é fácil, é a hora em que tudo o que deve acontecer, acontece…

E se dependesse de mim não te tinha escolhido…

e já gastei tantas vidas a dizer-te isto, mas o que tinha que acontecer já aconteceu, e o arbítrio, já te disse que, não joga aqui qualquer papel, não quando tudo depende de um ramo de oliveira e da uma certa combinação de luz…

e continuo a ignorar o alinhamento dos planetas

E sinto que sabes isto também. E sei que o que nós somos não cabe numa folha de papel… e se quiséssemos caberia mesmo, bastaria escrever o teu nome e o meu nome e ficaria tudo dito,

e eu sei que já vivi em Neptuno,

e eu seria assim, deixa ver, a tua casa, eu só a ser a tua casa, aqui ou em Neptuno, não gostas do nome?N-e-p-t-u-n-o…

Ai,

se dependesse de mim escolhia-te… Somos a hora certa, aquela em que tudo o que deve acontecer, acontece…

2.11.10

a menos que o sol dentro de ti te queime as tripas, não o faças

Então queres ser escritor?
se não sai de ti a explodir
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração da tua cabeça da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou
fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.

se tens que esperar para que saia de ti
a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.

se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.

não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de
pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e
pedante, não te consumas com auto-
-devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até
adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.

quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.

não há outra alternativa.

e nunca houve.



Charles Bukowski