21.8.09

Senhora minha muito amada - Pablo Nerruda

A Matilde Urrutia

Senhora minha muito amada, grande foi o meu sofrimento ao escrever estes mal chamados sonetos, que bastantes dores me causaram, mas a alegria de tos oferecer é maior que um pranto. Ao decidir-me a escrevê-los, bem sabia que ao lado de cada um, por afeição, escolha e elegância, os poetas de todas as épocas colocaram rimas que soaram como joalharia, cristal ou tiro de canhão. Eu, com muita humildade, fiz estes sonetos de madeira, dei-lhes o som desta opaca e pura substância e assim devem chegar aos teus ouvidos. Caminhando por bosques e areais, por lagos perdidos, por cinzentas latitudes, tu e eu recolhemos fragmentos de pau duro, de lenhos submetidos ao vaivém da água e da intempérie. De tais suavizadíssimos vestígios construí, com machado, faca, navalha, estas estâncias de amor e edifiquei pequenas casas de catorze tábuas para que nelas vivam teus olhos que adoro e canto. Assim estabelecidas as minhas razões de amor, entrego-te esta centúria: sonetos de madeira que só existem porque tu lhes deste vida.

Outubro de 1959
(Oferecendo-lhe o seu Cem Sonetos de Amor)

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