8.12.09

Re-Sentir...

Retratos - A manhã seguinte

E o esquecimento, donde vem? e a escova de dentes que não é minha e assalta a minha mão, e outra vez aquela pergunta em frente ao espelho que se vai cristalizando em imagens mais ao menos desorganizadas, e o álcool a escapar-se-me pelos poros e a cada respiração, e ainda assim não o suficiente, como tudo me tem escapado um pouco na vida, e aquela voz estranha, que não vem de dentro de mim mas de algo mais profundo, é real e vem do quarto ao lado, e o telemóvel que toca e naquele momento tudo soa a estranho, como se tudo fosse um sonho e o sonho não pudesse ser a vida, é o despertador dizes, e a cabeça a explodir em constantes assomos de culpa, ai os excessos ouço-te, e não te quero ainda, que seria de mim sem os excessos, e a culpa a adensar-se num abraço, estranho também, mas quente, e naquele momento podia sentir a tua alma, e não era um abraço já, mais um beijo, ou uma linguagem secreta, talvez aquele filme, e não me lembro do nome ainda, que me fez esconder as lágrimas, que eram também para ti, que não és a mesma. E ainda assim olho-me, mas vejo-me desabitado, nem vazio, mas tu pareces gostar tanto de mim assim que quase acredito que é possível gostar-se de alguém assim, só me queres preencher, deve ser por te querer preencher dizes antes de eu o ter dito, e não vou fazer nada hoje, está decidido, esta ressaca pesa tanto como a vida, ou mais, mas doí menos, estes espasmos de dor a lembrarem que também a felicidade é etérea, como este verão, ou como eu em frente à porta aberta da casa-de-banho, a ver-te sair posta nessas cuequinhas, e só a pensar que tu talvez pudesses ser outra, ou pelo menos que eu poderia ser outro, e tu a dizeres que não, que não podia ser diferente, como se me tivesses ouvido, porque há essa coisa a que ousam chamar destino, esse deus castigador, um deus das pequenas coisas, não sejas parvinho dizes, já com o vestidinho que apanhaste aos pés da cama, onde fez amor a noite inteira, vais ficar o dia todo na cama? e a noite, se não o puder evitar, e na verdade a manhã seguinte custa-me tanto que abdicaria da vida para ficar para aí deitado, e para evitar esta conversa, e esta manhã, e sabes que sei que sabes, merda isto soa a uma canção qualquer, ou talvez não, que gosto de dormir sozinho, tens medo que os sonhos se misturem? não com a vida, mas o meu com o teu, mas não quando estou assim tão frágil, ressacado queres dizer, e não houve risos, não quando preciso que me deites com as tuas palavras doces, como se aconchega um filho, por isso este beijo da manhã, seguido das tuas queixas ao álcool que ainda aquece o meu hálito e o meu viver.

18 VIII 2009

Por Xavier Carlos

2 comentários:

Maria disse...

quem escreveu isto?foste tu?

Carlos Soares disse...

Charles, must be...