15.2.11

From Poets Corner - Xavier


morro frequentemente por ti e não sei


o amor é quando tu me salvas

mesmo que ignores o protocolo

a lágrima quando cai de tardia não lembra a hora em que teve vida


premissa básica

o poema só é poema quando não consegue morrer por outra via

o amor é quando tu me salvas


e o meu sangue que corre ao contrário

como as estações depois de Neruda inventar as andorinhas a primavera as cerejeiras

e a imaginação que perdura

além um exército de ecos urgentes a florir na agitação de um sexo que já não sabemos

algo como um coração a bater debaixo da mesa, ouve-se

coisa indesejada, ouve-se

algo como um coração


preciso de silêncio para reconhecer no teu corpo a fuga


mãos a nascer do nada tocam memórias vazias

mãos a nascer do nada nada tocam como memórias


premissa básica

desacreditar do tempo nas suas mais impenetráveis formas é calar as sombras deste poema

é abraçar-te e

ver as flores sorrirem como quando as escrevi, e depois pensei

chove tanto nos dias que passo sem ti

uma chuva que afoga tudo e não lava nada e não leva a nada


e nada leva a nada


delicado coração de mão estendida para ti num percurso só de ida

súbito percurso de sombras e vozes menstruadas

má notícia, duas vezes má notícia

o poema não se quer amado

já que a vida o esmaga de seguida

e as coincidências que não passam de ressonâncias que se repetem nas ressonâncias de coincidências anteriores

também o levantar-me esta manhã não tem mais propósito que levantar-me esta manhã, repetir nesta a manhã de ontem e


também as palavras não cabem nas palavras mesmo quando ficam escritas


e não posso escrever mais alto e tu não ouves e a Mafalda baixinho:

´poemas sujos são melhores que poemas lavados`

premissa básica

poemas lavados não são poemas

e não posso escrever mais alto


e morro frequentemente por ti e não sei


4 I 2011 Porto

2 comentários:

Marco Figueiredo disse...

«Odiava, odiava, odiava o mundo. Odiava e evitava tudo o que existia, se movia e vivia. E então chegaste tu, fresco, tolo, desajeitado, insolente e com o aroma de emoções incorruptas em flor, e eu, como é natural, reagi com violência, mas assim que te vi sabia já que tu eras um esplêndido rapaz, caído do céu, enviado e oferecido, assim me parecia, por um deus omnisciente.»


Robert Walser, "Jakob van Gunten", Relógio d´Água, 2005
Ass: Marco

Carlos Soares disse...

Lindo!E bem a propósito!